A Fifa, o FBI e o monstro da corrupção: Não basta punir

O escândalo do tamanho de um monstro. E dessa vez sem mitologias, folclores ou lendas. As acusações feitas pelo FBI contra vários dirigentes da FIFA, deram as cores de um esquema de corrupção aterrorizante e extremamente voraz pelo vil metal que já escravizou tantas gerações.

Mas poucos estão atentos para o fato de que, tão importante quanto punir, será agir para que isto não volte a acontecer.

Para isto, fundamental se torna averiguar as condições que levaram à eclosão desse esquema denunciado pelo FBI e que vem deixando atônita a comunidade internacional.

O naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck, foi o primeiro a propor, no início do Século XIX, uma teoria de evolução biológica.

Dizia ele, que o ambiente faz com que os seres vivos moldem seus próprios órgãos para que se adaptem a  essa realidade. Assim, por exemplo, a girafa teve seu pescoço aumentado pela necessidade de alcançar os ramos altos das árvores; o morcego teve seus olhos atrofiados pela pouca exposição ao sol e etc.

Se sua teoria não explicou por completo o fenômeno da evolução das espécies, serve bem para compreender o escândalo da FIFA, pois o ambiente em que se movem as instituições desportivas, constituem o ‘habitat’ propício para o cometimento de desvios, a começar pela forma de administração e controle  dessas entidades.

De fato, geridas em formato de associação sem fins lucrativos, elas atuam sem os controles internos e governamentais que são próprios das sociedades empresárias.

Mas o escândalo na FIFA deixou claro que a inexistência de fins lucrativos passa bem longe dessas entidades,  pois além de não se sustentarem com a contribuição de seus associados, elas operam no mundo dos negócios, alienando direitos de transmissão e realização de competições, que foi precisamente o cenário em que as fraudes teriam se operado.

A universalização do esporte é outro elemento relevante para dificultar uma fiscalização, pois cada país tem sua própria legislação e limites territoriais para agir e sem uma normalização internacional, fica difícil combater tantas irregularidades.

Basta ver que o regime do passe do jogador de futebol só se encerrou com uma decisão de âmbito internacional,  proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no célebre caso “Bosman”, produzindo efeitos perante o velho continente, acabando por repercutir por todo o mundo.

O terceiro e talvez o maior dos problemas seja o fato de que as federações desportivas atuam em autêntico regime de monopólio.

Com efeito, as federações desportivas internacionais atribuíram a si próprias poderes exclusivos de organização e regulamentação da modalidade que representam no plano mundial.

Por sua vez, elas se valem de um único interlocutor por continente e para cada país individualmente, que passaram a deter direitos exclusivos para organizar sua modalidade nesses espaços geográficos.

Ou seja, o esporte atua sob regime de monopólio tanto nacional quanto internacionalmente.

O ambiente é,  portanto, propício para dar ensejo ao que ocorreu: sem fiscalização e com imenso poder monopolista, altos dirigentes, de acordo com o FBI, teriam se envolvido em fraudes na concessão de direitos cuja titularidade exclusiva  é da FIFA ou de suas filiadas.

Caso sejam confirmadas as acusações do FBI estar-se-á, portanto, diante de tema nem um pouco esportivo: uma violação ao direito antitruste, com menosprezo ao principio da livre concorrência.

E esse escândalo traz uma pá de cal para o velho e revelho argumento de que essas entidades não devem ser fiscalizadas pelo Estado “por serem autônomas e por ser o esporte um assunto eminentemente privado”.

Objeção nada mais que ultrapassada, pois além de que de esporte isso não tem nada, quem  atua sob regime de monopólio há de estar sujeito ao controle do Poder Público, a fim de impedir que entes monopolistas não abusem de sua “posição dominante”.

E não foi por acaso que as investigações foram conduzidas pelos Estados Unidos,  já que é precisamente naquele país que as normas antitrustes surgiram através da Sherman Act, de 1890 e inspiraram todo o mundo a criarem leis que preservem a livre concorrência e impeçam a realização de fraudes ao mercado.

Ademais, não se pode considerar que não exista interesse público quando cifras astronômicas estão envolvidas, pois onde há muito dinheiro, aumenta-se a possibilidade de que delitos de ordem financeira sejam praticados.

Por isso,   este episódio não pode servir apenas para fazer com que os culpados sejam punidos. Há que se criar regras de controle e mecanismos de fiscalização tanto no plano internacional quanto no direito interno de cada país.

Pois, como dizia Lamarck, “se os organismos progridem de acordo com o meio ambiente” e se nada for feito preventivamente, novos esquemas  continuarão a criar Dráculas ou Franksteins de corrupção, ao invés de  simples morcegos ou girafas…

Martinho Neves Miranda – Diretor Regional do IBDD

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *